quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

SIRVAM-SE, O VENENO ESTÁ NA MESA

Os agrotóxicos - defensivos agrícolas, para uns; venenos, para outros - são aplicados em profusão na nossa agricultura. Para os primeiros, esses produtos químicos são aliados dos produtores. Para os últimos, são inimigos. Ambas as correntes têm suas razões. Então, o que seria certo ou seria errado? Bem, antes de emitir opinião, algumas ponderações sobre os benefícios fiscais dos agrotóxicos na produtividade: o agronegócio é responsável por 23% do PIB, 37% dos empregos e 48% das exportações, graças aos quais temos superávits da balança comercial. Assim, é questão de escolha, às vezes sem opção. A minha opção é pela saúde, pois, conforme Santo Inácio de Loyola no “diálogo” com São Francisco Xavier, “que adianta o homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma”. Parafraseando o fundador dos Jesuítas, digo: que adiante o homem ganhar o mundo se perder a sua saúde.
Faz alguns anos, um cliente meu que produzia tomates e, também, revendia o produto que trazia de Veranópolis, às vezes me obsequiava com uma caixa do fruto, e dizia: “esse tomate você pode comer sem lavar. É da minha produção. Já o tomate que busco na Serra, eu não como”. No ponto, a Europa é mais consciente do que o Brasil. A União Europeia baniu das suas lavouras, entre outros, o Paraquate, a Atrazina e o Acefato, substâncias entre as mais vendidas aqui - em 2017, mais de 60 mil toneladas. O Paraquate é, comprovadamente, trágico à vida. No País, mesmo classificado pela Anvisa como altamente tóxico, só sairá das prateleiras em 09/2020.
Nosso sistema agrícola - aliás, muito bem sucedido - é dependente de agrotóxicos. A Embrapa dispõe de novos ativos tecnológicos voltados ao mercado de defensivos agrícolas naturais, mas trabalha com parcos recursos para a pesquisa. Já a Universidade de Illinois (EUA) conseguiu turbinar a fotossíntese, acelerando, assim, o ciclo de vida das plantas, com o consequente aumento da produção, ciente de que, até 2050, será necessário aumentar em 60% o volume mundial de alimentos. É um avanço. Porém, aumentará o uso de agrotóxicos, exceto se se reverter a marcha atual.
Vivemos uma triste realidade. O veneno está na mesa de mais de 90% dos brasileiros, pois menos de 10%, e sem habitualidade, consomem alimentos orgânicos: 1) por desinformação, 2) sua pouca produção, 3) serem mais caros e 4) aparência feia comparados a similares com agrotóxicos. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Somos, com perdão verbal, vítimas do nosso desenvolvimento, pois o uso de defensivos proibidos ignora os limites da ética na preservação da saúde.
E as abelhas? Coitadas! Elas só fazem o bem (polinização, mel, própolis), mas são tratadas como inimigas. A cada semana noticia-se uma nova mortandade dos insetos, por agrotóxicos. Para Lionel Segui Gonçalves, da Faculdade de Filosofia de Ribeirão Preto (USP), especialista em abelhas, no atual ritmo, em 2035 elas estarão extintas.
A Bayer, nos EUA, tem sofrido condenações milionárias por conta dos malefícios do seu glifosato, o mesmo produto que a França acaba de banir no seu território. E o Brasil? Bem, estamos submetidos desde sempre à seguinte ordem surda e silenciosa dos fabricantes desses produtos letais: sirvam-se, o veneno está na mesa.

(IN)SEGURANÇA JURÍDICA

Conspira contra (conspirar contra soa pleonasmo, mas não é porquanto são palavras que se completam) a estabilidade de qualquer País - com reflexos em todas as áreas - a insegurança jurídica. Pior ainda quando gerada por quem deveria ser o guardião da Constituição e das leis: o Supremo Tribunal Federal, instituição composta por 11 ministros, na prática cada um age como se fosse o Pretório Excelso (o todo). Ressalvo que alguns ministros, apesar do critério de nomeação, honram a toga. Exemplo, sem excluir outros: Celso de Mello, a quem - embora discorde dele sobre a prisão a partir da condenação em 2º grau - respeito, porquanto é contra por convicção.
O Direito tem suas fontes. No Brasil, a principal, seguindo a tradição romano-germânica, é a lei, seguida da jurisprudência, dos costumes e da doutrina. Não faz muito, surgiu o Direito alternativo - ignorando as quatro fontes -, segundo o qual juízes colocavam partes e advogados, quando do ajuizamento de ações, à mercê da sorte: se o feito fosse distribuído a juiz alternativo, o resultado previsível da demanda seria A; se o mesmo feito fosse distribuído a juiz não alternativo, o resultado previsível seria B.
O Direito alternativo não vingou. Hoje, a insegurança jurídica é gerada pelo STF. Na raiz do mal da instituição está o critério de escolha dos seus ministros - político, não técnico. Lewandowski, Toffoli, Gilmar, Marco Aurélio são crias desse critério, embora constitucional. Mas o pior é que não vislumbro perspectiva de mudança, pois a OAB, que deveria empunhar a bandeira da mudança, faz ouvidos moucos. É que, quem a preside (Cláudio Lamachia atualmente), embora negue, aspira o cargo vitalício.
Em Brasília, na frente do suntuoso prédio do STF - que tem mais de 3.000 servidores (+ ou - 300 por ministro), entre eles, 12 capinhas, 19 jornalistas, 24 copeiros, 27 garçons, 58 motoristas (isso é um deboche!), alguns para desnecessário trabalho (capinhas) - há uma senhora de pedra com venda nos olhos cobrindo também suas orelhas. Só assim não pôde ver nem ouvir Barroso atacar Gilmar - ipsis litteris: “Você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia.”
A confusão criada por Marco Aurélio no dia 19/12/2018, minutos antes do recesso do Poder Judiciário, ao deferir liminar a uma ação do PCdoB, que colocaria na rua 260 mil presidiários, muitos de alta periculosidade - mais 19 da Lava-Jato, Lula o mais famoso -, mostra que o STF atual é uma Torre de Babel. No caso, o ministro ignorou decisão anterior do Pleno sobre o tema. Com isso, Marco Aurélio mostrou que a decisão de um só ministro, posterior, vale mais que decisão anterior dos 11 ministros. Menos mal que Toffoli (farinha do mesmo saco, novo anjo bom) cassou a liminar do colega ‘libertário’.
José Saramago, escritor português, em “Da Justiça à Democracia Passando Pelos Sinos”, conta que um camponês, não sendo encarregado de tocar habitualmente o sino, o fez soar, ao que seus vizinhos, surpresos, lhe perguntaram quem era o sineiro e quem era o morto, respondendo: “O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino”. Inconformados, insistiram: “Mas então não morreu ninguém?”, ao que respondeu: “Ninguém que tivesse nome e figura de gente; toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta”. O camponês somos nós; a Justiça do camponês é o nosso STF.