terça-feira, 12 de março de 2013

BIFE À CAVALO, SIM. DE CAVALO, NÃO

Bife à Cavalo é um prato brasileiro. Por isso, é comum se ouvir em restaurantes: “garçom, prá mim um bife à cavalo”. No cardápio, o ‘a’ sem crase e, às vezes, com ‘cavalo’, uma só palavra: acavalo. A crase, à frente da palavra masculina, soa errado. Mas não é. No caso, o ‘a’ deve ser craseado por se tratar de locução prepositiva: “à moda da casa”. É a minha conclusão. Se estiver errado, corrijam-se.

Dito isso, volto ao título. Bife à Cavalo é uma fatia de carne de boi coberta por ovo frito (para os gulosos, dois ou mais), complementada por fritas e arroz. Um prato muito apreciado. Quem por ele opta, principalmente frente a nomes sofisticados das cartas, não corre risco de deixar a comida no prato nem o estômago roncando. Todavia, não se há de confundi-lo com bife de cavalo.

No Brasil, é pouca consumida a carne de cavalo, ao contrário de Inglaterra, França, Itália etc. Em Londres, entretanto, a agência de segurança alimentar encontrou carne de cavalo em hambúrgueres e lasanhas como se de carne bovina. Pronto! Instalou-se uma crise, que poderá comprometer nossas exportações de carne bovina. Porém, o problema está na fraude, não no produto.

Quando guri, eu adorava mortadela (a mortaNdela). Na minha casa não existia, mas era comum em bailes do interior, vendida em rodelas. Uma delícia! Mas, talvez por consumi-la em excesso, passaram a me dizer que o embutido era de carne de cavalo. Foi um freio em minha voracidade estomacal. Mas, afinal, carne de cavalo não tem valor alimentício ou, pior, é prejudicial à saúde? Nada disso. Provado cientificamente, é nutritiva e não faz mal. Portanto, consumi-la ou não é, tão-só, uma questão cultural.

Para o gaúcho, com mais razão, pela força da tradição. O cavalo, além de amigo, é seu meio de transporte. Sacrificá-lo, só quando acometido da incurável anemia infecciosa. Imagino como seria, ao término de uma cavalgada, o cavaleiro assim se despedir do animal: “tordilho, você já deu o que tinha a dar; será transformado em salame”. Ou imaginemos aqueles mais de cem gaúchos que, em 1930 (início da Era Vargas), amarraram seus cavalos no obelisco da Av. Rio Branco, no RJ, na volta ao RS: “missão cumprida, agora é açougue prá ti”. Seriam decisões inaceitáveis.

Não faz muito, encontrei receitas à base de MOSCAS, BARATAS, FORMIGAS, GAFANHOTOS, GRILOS. Repassei-as ao Guanaco. Esses exóticos pratos, segundo revista especializada, têm valor nutritivo superior ao das carnes tradicionais. Nas mãos desse renomado chef de cozinha, então, serão pratos disputadíssimos.

A carne de cavalo não é alimento preferido dos brasileiros. Muito menos dos gaúchos.Mas, como dito, por uma questão cultural. No RS, a relação entre o homem e o cavalo é de amor. Faz, pois, parte da família gaúcha. Por isso que, na base dessa questão - friso -, está um dado cultural. A propósito, vaca e cavalo comem, basicamente, os mesmos alimentos. A vaca fornece leite ao seu dono. No entanto, cumprido seu ciclo útil, o destino é o açougue, quando não, “sangrada” pelo próprio dono. Já, para o cavalo, o tratamento final é outro.

A ligação entre o gaúcho e o cavalo é tão grande que já mereceu muitas canções. Aliás, muito comuns entre nas disputas nos festivais nativistas ou regionalistas que se desenvolvem no Estado. Expressões como flete, pingo, substituejmsão encontradas a todo momento.

O liame indestrutível do gaúcho com o seu animal preferido está retratado fidedignamente por Luiz Carlos Borges e Mauro Ferreira na canção Florêncio Guerra. O peão cumpriu a ordem do patrão. Matou seu cavalo. No entanto, tomado pelo sentimento de amor, se matou em cima do animal. Diz:
 
Florêncio afiou a faca para matar seu cavalo;
Florêncio Guerra das guerras do tempo em que seu cavalo,
Pisava estrelas nas serras pra chegar antes dos galos;
Parceiros pelas lonjuras na calma das campereadas,
Um barco em tardes serenas um tigre numa porteira,
Pechando boi pelas primaveras sem mango sem nazarenas.

O patrão disse a Florêncio que desse um fim ao matungo:
Quem já não serve pra nada não merece andar no mundo;
A frase afundou no peito e o velho não disse nada,
E foi afiar a faca como quem pega uma estrada.

Acharam Florência morto por cima do seu cavalo,
Alguém que andava no campo viu o centauro sangrado,
Caídos no mesmo barro voltando pra mesma terra,
Que deve tanto ao cavalo e tanto a Florêncio guerra.

Entre o gaúcho e o cavalo há um sentimento permeado pelo respeito recíproco. É um dado cultural, característico do ambiente em que as pessoas vivem.