sábado, 26 de maio de 2012

BRAVA, XUXA!

Ela nasceu em Santa Rosa, faz 49 anos. No batismo e no registro civil levou o nome de Maria da Graça Meneghel. Viveu seus primeiros anos nesta cidade. Quando tinha 10 anos, mais ou menos, seu pai Luiz, à época militar, foi transferido para o RJ. Então, ela e seus irmãos, com seus pais, foram morar na antiga capital do Brasil.

Lá cresceu - e como! -, mas o que chamou atenção foi sua beleza. Aliás, continua encantadora. Até parece que o tempo, essa marcha inexorável que tantos estragos físicos causa às pessoas, para ela não passa. Com a mão de alguns e a visão de outros, tornou-se modelo. De modelo a apresentadora de televisão, foi um passo. De apresentadora, a rainha dos baixinhos, um adjetivo que nela colou. Na TV há mais de 25 anos, revelou personalidade, carisma e talento. Ora, ninguém fica por tanto tempo no ar sem atributos pessoais.

Como apresentadora de TV e artista, tornou-se conhecida pelo pseudônimo  Xuxa. Pelo nome oficial, poucos a conheciam. Foi por isso que um dia, através de um familiar da Maria da Graça, fui contratado para promover a alteração de seu nome. Ou melhor, para promover a inserção de mais um nome em seu registro de nascimento, o nome que a identificava no País e no mundo: Xuxa.

Esse processo ostento como um troféu em meu currículo de advogado. É claro que ela nem sabe que eu existo. Mas promovi judicialmente essa alteração, passando ela a denominar-se, oficialmente, Maria da Graça Xuxa Meneghel. Os autos originais do feito estão no Memorial Casa da Xuxa, em Santa Rosa. Esclareço que os processos, uma vez encerrados, vão para os arquivados do Tribunal de Justiça. As partes e seus advogados podem deles retirar apenas peças e fotocopiar folhas. No caso, porém, em atenção a um pedido que dirigi ao Presidente do Tribunal de Justiça do RS justificando que o valor histórico do documento residia nas peças originais, os autos me foram liberados e, por mim, repassados para o Memorial na Avenida Rio Grande do Sul.

Faço esse breve retrospecto para dizer que no último domingo, no Fantástico, na TV Globo, a nossa conterrânea deu uma longa e bombástica entrevista. Revelou coisas da sua intimidade, reprimidas, que só pessoas de coragem e caráter são capazes tornar públicas. Entre elas, que foi abusada sexualmente na sua adolescência por pessoas da relações de amizade de seus pais, mas que nunca pôde revelar com mede de ser responsabilizada, e que a marcaram indelevelmente para sempre.

A respeito, ouvi os mais desencontrados comentários. Alguns, inclusive, acusando a Xuxa de uma jogada de marketing. Ora, ela não precisa disso. Ainda bem que a esmagadora maioria sentiu-me comovida pela sinceridade da entrevistada. Aliás, sua manifestação caiu como uma louva no momento em que a exploração sexual está na ordem do dia. Foi, a meu sentir, uma importante contribuição, especialmente pelo alerta de que a pedofilia, em sua quase totalidade, acontece dentro da própria casa dos menores. Outra contribuição foi sobre os sinais que as vítimas de abusos sexuais dão: dificuldades de aprendizagem, medo de ficarem sozinhos, dificuldades de contarem à mãe, xixi na cama etc.

Então, quem achou que a mais importante filha da terra fez, da entrevista, uma forma de melhorar sua popularidade, respondo que tal conclusão é lamentável e revela total desconhecimento da alta incidência dos abusos sexuais, dos traumas definitivos que os abusados passam a carregar e da banalização desses hediondos crimes.

Xuxa rompeu com o silêncio e a cegueira que ainda “guarnecem” crianças e adolescentes maltratadas. Dos menores ofendidos, por temor; dos familiares, pela vergonha que sentem, quando não, pela cumplicidade.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

“DIVIDIR PARA REINAR”

As relações Estado e magistério são objeto de discussão, faz anos. De um lado, os professores mal pagos. Do outro lado, os sucessivos governos estaduais a dizerem que não têm recursos para atender aos reclamos dos educadores. Nos últimos governos estaduais, incluindo o atual, quem, com coerência e autoridade, melhor tratou da problemática, foi a secretária da educação do governo Yeda Crusius. Em um primeiro momento, frente aos pedidos da categoria; depois, com mais ênfase ainda, quando o Governo Federal, sob a inspiraç ão do então ministro da Educação, Tarso Genro, criou o Piso Salarial Profissional Nacional do Magistério.
 Demonstrou Mariza Abreu, de modo especial a partir da implantação da Lei do Piso, que o novo índice de reajuste previsto nessa lei seria inviável para as finanças do Rio Grande do Sul, a não ser que, simultaneamente, se alterasse o Plano de Carreira da classe. Mas o simples aceno de mexer no Plano foi como cutucar onça com vara curta. Por isso, em nome dessa sinceridade, a Yeda virou sinônimo de nome feio, e o PT, oportunista, passou a dizer que “em nosso governo, o Piso será honrado, e o Plano de Carreira, mantido”. Uma falácia!
 Na campanha eleitoral estadual última, o governo anterior foi o alvo preferido. Foi massacrado porque, diziam o PT e seus seguidores, que a Yeda não pagava o Piso por falta de vontade política. Ela, por sua vez, retrucava com uma frase que ficou na memória de quem, evidentemente, tem memória: “Dinheiro não dá em árvore”. Enfim, Tarso ganhou as eleições.
 Como o Cpers sempre foi uma “longa manus” do PT, Tarso apostou que, eleito Governador, contaria com a compreensão do magistério, ou seja, a entidade de classe aceitaria um pequeno aumento e não cobraria o cumprimento do Piso. Tudo por conta desse histórico vínculo político. Diria o novo governo, como justificativa, que recebera uma “herança maldita”. No entanto, embora a deserção de muitos educadores e o adesismo de outros, a entidade de classe se mantém fiel às suas origens, descontados seus também históricos exageros.
 Inconformado, o Governo do Estado, sem a aquiescência do Cpers, encaminhou à Assembleia Legislativa projeto de lei referente aos vencimentos do magistério, só que com índice de reajuste inferior àquele que o Governo Lula, sob a inspiração do então ministro Tarso, estabeleceu. No Legislativo estadual, a dócil base aliada, contando, inclusive, com deputados da nossa região (do PT e do PTB), referendou o “monstrengo” que Tarso propôs.
 O Ministério Público Estadual, exigindo o cumprimento da Lei do Piso, ingressou na Justiça contra o pífio aumento aprovado. Nesse meio tempo, o questionado índice de reajuste fixado pela lei federal referida foi declarado constitucional pelo STF. Então, Governo do Estado e Ministério Público fizeram um acordo, muito estranho - diga-se de passagem -, em bases inferiores ao Piso e contrário aos interesses do Cpers. Agora, a Justiça se negou em homologar esse acordo. Nem poderia ser diferente. Ora, não é crível que alguém, em nome do magistério, sem ouvi-lo e ao arrepio da lei, faça acordo.
 É normal fazer acordos na Justiça. Como advogado, fiz muitos. Só que em nenhum caso sem a concordância da parte interessada. É que, mesmo tendo poderes para transigir, é, no mínimo, antiético fazer acordo dispondo sobre interesses de terceiros. No caso, quem são os legítimos titulares desse direito subjetivo? Os professores. Logo, agiu bem o Juiz José Antônio Coitinho ao não homologar o malsinado acordo.
 É verdade que o acordo dá um aumento considerável a quase 35 mil professores. E o Governo sabe que, para quem ganha pouco, todo o aumento é bem-vindo. Só que, com isso, o Palácio Piratini aplica a máxima de “dividir para reinar”, ou, por outra, dividir para enfraquecer o Cpers.

sábado, 12 de maio de 2012

DOS PRESÍDIOS E DAS PENAS

Na advocacia, durante alguns anos priorizei o processo penal. Nessa condição, muitas vezes estive em presídios para falar com clientes sobre assuntos ligados a processos que clientes sofriam. Confesso que não tenho saudade desse tempo. Ainda guardo na memória o quadro degradante constatado, em que pesem os esforços de administradores e servidores da área. Já na década de 1970, as penitenciárias apresentavam condições humanas degradantes. E o pior é que, de lá para cá, salvo exceções, o quadro só se deteriorou.

Por isso, os presídios sempre foram um “prato cheio” para advogados de pessoas denunciadas por infrações penais. Com suporte nessas carências, vociferavam no Tribunal do Júri com afirmações como: “é nessa masmorra que o Promotor quer trancafiar esse miserável réu”. Alguns, mais catastróficos, chegavam a dizer que, se condenado, seu cliente seria transferido para o Presídio Central. A esse aceno, jurados se emocionavam e até calafrios sentiam. E muitos acusados, na carona dessa cantilena, foram absolvidos.

Nessas décadas, o que mudou, e para pior, foi o desrespeito à dignidade humana. A CPI do Sistema Carcerário, da Câmara Federal, segundo o relator, Domingos Dutra, “grande parte dos presídios visitados não serve nem para bichos”; para o CNJ, as condições degradantes do sistema penitenciário e de internação de adolescentes em conflito com a lei no Brasil podem ser consideradas exemplos de violação dos direitos humanos”; e para Zaffaroni, jurista argentino, a demonstrar que o problema não é só do Brasil, “o cárcere é uma gaiola, uma máquina de fixar os comportamentos desviados das pessoas e agravá-los. Há 200 anos nós sabemos que a cadeia do século passado fazia a mesma coisa que a cadeia de hoje.

Então, eliminemos as cadeias? Não. É que há pessoas que não podem viver em sociedade. Hoje, a psiquiatria esclarece que há muito mais psicopata do que se imagina. São incendiários, sádicos, assassinos, torturadores, perversos, pedófilos, muitas vezes ocultados pelos familiares. Logo, pela voz da razão - e das ruas, também -, o povo quer mais cadeias e mais gente dentro delas. Há, inclusive, revolta contra a permanência de infratores livres nas ruas.

Fazendo um retorno à origem dos presídios e sua destinação, tem-se que as penas tinham caráter retributivo (a cadeia era o lugar em que o mal era pago com o mal); em estágio posterior, passou a ter caráter reeducativo (o infrator lá seria reeducado); por fim, chegou ao caráter preventivo (prevenir para não precisar “fechar”). A legislação brasileira direciona-se à ressocialização e à prevenção. Só que, no estágio a que estão su bmetidos os presidiários, poucos se ressocializam. Pior, os presídios viraram escolas do crime.

Aliás, durante o tempo em que tive contato amiúde com presídios, os poucos apenados que vi recuperados, salvo honrosas exceções, o foram pela obra de religiosos. Foram aqueles ex-detentos que saíram das casas de segregação com Deus no coração e com a bíblia na mão. Importa dizer que, dentre as funções que justificam a prisão, a medida extrema, hoje, cumpre apenas o caráter retributivo, sem agregar reeducação nem prevenção.

A bola da vez no RS é o Presídio Central. Condenado pelo CREA, o governador Tarso sentiu-se ofendido pela pressão da OAB/RS e dos juízes das execuções criminais para fechá-lo. Sem razão. Afora sua infraestrutura desumana, quem lá manda são os detentos. Segundo Sidney Brzuska, Juiz com passagem marcante por aqui, o Presídio Central, por imposição e exploração econômica pelos próprios apenados, tem o m2 de área construída mais caro da capital. Outrossim, essa é apenas a ponta do iceberg: o fracasso do Estado. Logo, a privatização do sistema penitenciário deve, sem ranço, ser discutida.

sábado, 5 de maio de 2012

QUE SEJA APENAS O COMEÇO

A presidente Dilma Rousseff, ou presidenta, como ela prefere, aproveitou a passagem do Dia do Trabalhado para dar uma chinelada nos bancos, por conta dos juros que as instituições financeiras cobram. Em relação a essas taxas, ela está coberta de razão. No Brasil, são praticados os juros mais altos do mundo. Entretanto, como em tudo, há um porém: seriam os bancos os únicos responsáveis por essa extorsão aos brasileiros?

Claro que não. Antes, porém, esclareço - para que não haja interpretação tendenciosa que não sou defensor de banco algum. Pelo contrário, o maior número de ações judiciais que patrocinei nesses anos de advocacia foi, exatamente, contra as instituições financeiras.

Esclareço, ainda, que, para fazer essa despretenciosa observação sobre juros, me socorri de quem entende de finanças e economia. De todos os experts que ouvi e analisei, recolhi, em apertada síntese, que grande parte dos escorchantes juros cobradas - que inibem o crescimento, reduzem o consumo e geram desemprego - é da responsabilidade do próprio Governo por ser o grande tomador de empréstimos para financiar o déficit público, gerado, em especial, pela previdência deficitária e pela gastança pública desenfreada.

Mas, afinal, qual a consequência do discurso da presidente? Ora, vai pouco além do efeito moral. Vamos combinar: foi uma manifestação cheia de boas intenções. Só. No entanto, se a fala presidencial se fizesse acompanhar de medidas concretas, como, por exemplo, a ampliação da tabela incidente sobre o imposto de renda em cima do lucro dos bancos, a nossa ilustrada primeira mandatária seria, a um só tempo, retórica e eficiente.

Ocorre que todo discurso, se divorciado da prática, cai no vazio. É caso de prefeitos que, ao assumirem - e isso se vê com muita frequência pelos municípios brasileiros  -,  decretam moratória em relação a dívidas deixadas pelo alcaide antecessor. Isso pode soar bem aos ouvidos, mas nenhum efeito legal e ético tem, porquanto não a submetem os credores que prestaram serviço ou forneceram produtos à municipalidade. O pior é que essa demagogia tem apoio popular. Só não sabem os muníci pes que esse arroubo de valentia serve, apenas, para aumentar o passivo do erário público municipal, transferido, depois, a cada um dos cidadãos.

Mas existem coisas que a presidente poderia efetivamente fazer, nessa cruzada contra os lucros exorbitantes dos bancos. Aí, sim, ligando discurso e prática, sua pregação seria coerente. Por exemplo, se anunciasse que passaria a reduzir impostos. Essa providência, que está ao alcance da senhora Dilma, faria muito bem a todos, porquanto estamos cansados de pagar os impostos mais altos do mundo. Ou, como dizia o min. Roberto Campos, um dos homens mais iluminados que o País teve: pagamos impostos de 1º mundo para serviços de 3º. A propósito, só em 2012, o Governo Federal já arrecadou 500 bilhões de reais de impostos.

Outra medida benéfica seria a eliminação de, pelo menos, uma dezena de ministérios. Verdadeiros cabides de emprego, 37 ministérios são racionalmente injustificáveis. E o que dizer dos quase 25 mil servidores em cargos de confiança na esfera federal? Com essa orgia de gastos, é claro que falta dinheiro à saúde, à educação, à segurança, e com a tomada de empréstimos para tapar furos, o Governo alimenta os bancos que agora pressiona.

A propósito de ministérios, alguém sentiu a falta do titular da pasta do Trabalho, cinco meses depois da exoneração o falastrão Carlos Lupi? Não. Isso prova a inutilidade da pasta. Enfim, assumiu Brizola Neto - bancado por Paulinho (Força Sindical), deputado atolada em denúncias, e pelo ex-marido da Dilma, o Carlos Araújo -, em detrimento dos nomes avalizado pelo PDT, entre eles, o gaúcho Vieira da Cunha.

Contra os juros altos, sim, presidente. Mas, à sua mão, há medidas para além dessa retórica.