quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

DAS IDEIAS, DAS CULPAS E DOS ARREPENDIMENTOS

(Gazeta Regional, 16-12-17)

Muitas coisas me intrigam, e a ti também, talvez sem perceber. Uma delas, o politicamente correto - aquele indivíduo que segue padrões éticos, morais ou convencionais da sociedade - sobre o qual, para não ficar com o conceito solto, volto ao início dos anos de l970 quando Gilberto Carvalho/Aírton Pimentel criaram, para a Califórnia da Canção, de Uruguaiana, “O Negro da Gaita”, canção imortalizada na voz de César Passarinho. Se fosse hoje, para o politicamente correto, haveria protesto, salvo se o título da música fosse “O Afrodescendente da Gaita”, posto que a expressão original denegriria a raça. É, pois, a cartilha do politicamente correto.
Saindo do politicamente correto, vou focar outras duas expressões que se sobressaem entre as coisas que também me intrigam, não necessariamente na ordem que as apresento: 1) a análise das pessoas ao invés da análise das suas ideias; 2) e a confissão de culpa seguida da expressão “me arrependo”. A primeira (ideia), pode ser analisada do ponto de vista lógico (ter um significado), do ponto de vista ontológico (existente no mundo real) ou, ainda, do ponto vista transcendental (mera possibilidade). A segunda (arrependimento), está ligada ao nível de consciência para discernir entre o erro e o acerto e entre a falsidade e a sinceridade do confitente.
 Hoje, discute-se muito mais - o que mostra atraso cultural e desprezo à voz da consciência - o autor da ideia, i. é., a pessoa que produziu determinada representação intelectual, seja lógica, ontológica ou transcendental, do que sua produção imaterial. É o sentimento que extraio das discussões travadas no País, com desapreço às ideias nessa correlação com seu autor. Já, em relação à culpa e ao arrependimento, vejo um misto de confusão e falta de sinceridade. O embate político, então, é um poço de contradições. Cultiva-se a ideia de que, quem é oposição, tem o dever de ser contra tudo quanto venha do governo, e quem é situação, tem o dever de apoiar incondicionalmente o governo, pouco importando, para quem está de um lado ou de outro, se é bom ou ruim, e ambos mudando de lado com a mudança dos ventos. 
Quando ouço falar em arrependimento, então, pergunto: é sincero? É, pois, a dúvida que me assalta. Não faz muito, L. F. Veríssimo se disse arrependido de ter votado em Jânio Quadros. Confessou seu voto como se fosse um pecado tão grave que só o Papa Francisco poderia perdoá-lo. Bem, a explicação que o homem da vassoura deu para sua renúncia, as tais “forças ocultas”, não convenceu nem seus mais ferrenhos defensores. No entanto, eticamente, nada se apurou contra Jânio. Pois bem. O mais estranho é que que Veríssimo se arrepende do voto dado a Jânio, mas não dos votos dados para Lula. Aliás, ele já disse que o ex-presidente petista é vítima da Lava-Jato. Coitado! Soa falso, portanto, o arrependimento do filho do Érico, porquanto o verdadeiro arrependimento, para ser ético, importa mudança de conduta.  

Eu votei em Collor. Arrependo-me, assegurando que não repetiria o erro, e não que elle tenha sido, no curto tempo na presidência, mau governante. É pelo que a Lava-Jato revelou sobre o senador alagoano: ser corrupto. Aliás, foi pela ética que, naquele pleito, neguei apoio a Maluf, candidato do partido que eu presidia em Santa Rosa.

CASO KISS FORA DO JÚRI

(Gazeta Regional, 09-12-17)

É a primeira vez que me manifesto sobre o lamentável caso Kiss, o que faço, sem entrar no mérito da tragédia, com o intuito de tecer algumas observações à guinada que o 1º Grupo Criminal do TJ-RS deu no julgamento futuro de Elissandro, Mauro, Luciano e Marcelo. O episódio é tão importante que não poderia passar despercebido. Só para lembrar, a competência para o caso estava reservada ao Tribunal do Júri por força da sentença de pronúncia do Dr. Ulysses Louzada, juiz de Direito de Santa Maria, para quem voltará o processo se não houver nova mudança. No julgamento do último dia 1º, duas teses foram confrontadas pelos desembargadores com o resultado de 4 a 4, o que atesta que há argumento tanto para um lado quanto para o outro.
Concluída a instrução do processo, em Santa Maria, o juiz de Direito havia se deparado com as duas teses de consequências antagônicas, separadas, por paradoxal que pareça, por linhas tão tênues que, às vezes, se cruzam. Grosso modo, uma, a tese da Promotoria de Justiça, acatada pelo juiz do caso - a do dolo eventual, que se dá quando seu agente vai além da mera culpa, ou seja, assume o risco de seu ato infracional culposo; a outra, a tese da defesa - a da culpa, que se dá por imperícia, imprudência ou negligência do infrator.
No julgamento recente de recurso da defesa, pelo TJ-RS, prevaleceu a tese dos réus, a qual, se confirmada, ao contrário também do que se especulou, não levará os réus do caso Kiss à absolvição, mas, sim, devolverá o feito ao juiz de Direito para julgamento ao invés de submeter a 7 juízes leigos (Tribunal do Júri) controvérsia tão subjetiva quanto ao tipo penal a ponto de dividir os 8 desembargadores.
Não morro de amores pelo Tribunal do Júri, e não é porque tivesse me dado mal nos casos em que nele atuei. É porque, melhor do que 7 leigos, submetidos a pressões, vejo no Juiz de Direito, técnico e imune a influências, a pessoa talhada para julgar. O Júri, vamos combinar, julga pela simpatia ou antipatia do réu, do promotor de justiça, do advogado de defesa etc. Ah, sim, é verdade, também julga com base nas provas.
No julgamento referido, embora não tenham dito, os 4 desembargadores que enquadraram os réus da Kiss no tipo penal restrito à culpa, levaram em conta que eles entrariam no Tribunal do Júri com 7 votos em seu desfavor. Ou algum jurado daria voto contrário às famílias das vítimas da Boate? É o típico processo em que os 7 jurados querem distância do sorteio. Integrar o conselho de sentença, nem falar.
Da decisão que afastou o dolo eventual, o MP anunciou que vai recorrer. Em tese, reverter o caso é possível. Eu, embora há anos afastado do processo-crime, arrisco prever que o recurso não terá êxito. É que, no STJ, não é admitido reexame da prova, apenas eventuais formalidades atropeladas. E o caso, para ensejar sucesso ao recurso, depende essencialmente de novo exame da prova.
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É tempo de pedidos. Lula, Temer, Aécio, Cabral tem um só: seus processos passarem para Gilmar Mendes. Na ausência deste, para Tofoli ou Lewandowski.

O recurso do Lula será julgado até março/2018. Lula reclama da rapidez do TRF-4. Que estranho! Eu sabia que inocente quer celeridade no julgamento, não o contrário.