quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

A DITADURA DOS PARTIDOS

Cresci ouvindo que os partidos políticos são essenciais à consolidação do estado democrático. Hoje, já na curva descendente da vida, sou tentado a admitir que essa importância virou retórica. Ela cedeu espaço a uma realidade ditatorial, contraditória, assim sintetizada: sem partido, ninguém se elege; eleito, sem partidos não governa.
Antes, porém, de aprofundar essa discussão, é oportuno lembrar a diferença entre as administrações pública e privada. Ambas têm seus limites. Mais estreitos, entretanto, os limites impostos ao setor público. É que, na administração pública, o administrador só pode fazer aquilo que a lei autorizar. Já, na administração privada, o administrador pode fazer tudo quanto a lei não proíba. Sutileza? Não, diferença significativa.
Outra diferença está na escolha dos profissionais de um e de outro campos administrativos. Para a iniciativa privada, são contratados os melhores profissionais. Para o serviço público, são contratados os melhores companheiros. Também sutiliza? Não, principalmente nos resultados. Na 2ª hipótese, prepondera a força do Q.I. (quem indica) resultando em inchaço da máquina pública e carência dos serviços prestados.
Para a formação das coligações eleitorais, pesa o tempo que cada partido tem de rádio e televisão: 1’ vale X, 30” valem Y. Uma vez eleito, o chefe do Executivo terá de se submeter a indicações políticas que não primam pela qualificação, para o preenchimento dos cargos de confiança. E, sem acatamento dessa anomalia que se incrustou no poder público, ninguém consegue governar. A propósito, Antônio Brito cunhou a célebre frase: “A maior dificuldade como governador é governar o governo”.
Dilma, para acomodar os aliados famintos, chegou a 39 ministérios. Que beleza! Temer prometeu um corte fundo, mas só eliminou 5 ministérios. Quer dizer, “a montanha pariu um rato”. Pelos mesmos motivos da sua antecessora, Temer cedeu ao apetite dos partidos aliados. Mas a capitulação não termina com o histórico loteamento de cargos (1º e 2º escalões). A cada projeto importante, a gula dos aliados se aguça. Lula a satisfez com o Mensalão do PT, Temer a satisfaz com emendas parlamentares.
Em suma, a administração pública está submetida à ditadura dos partidos. Começa na fase pré-eleitoral quando da “costura” das coligações. Para se eleger, o candidato ao Executivo se submete a coalizões que juntam, não raro, desiguais ética e ideologicamente: 1º) para viabilizar a candidatura; 2º) para poder administrar. A celeuma da nomeação de Cristiane Brasil ministra do Trabalho ilustra o caos político brasileiro. A deputada é indicação do PTB. Já o mico ficou com Temer, que tem o arbítrio de nomear, mas não tem a palavra final no desfecho, que é do partido político. 
Além dessa prática nada republicana, há a distribuição das receitas: apenas 15% para os municípios. A respeito, o colega Clóvis Medeiros (Gazeta, 07/02/2018) fez percuciente análise. Uma aula proferida por conhecedor, como poucos, da realidade de Tuparendi, que não difere da de Giruá, Santa Rosa etc. Enquanto os 35 partidos políticos - primos ricos do País - embolsam milhões, os municípios passam o chapéu.

“Governar é abrir estradas”, cunhou o presidente Washington Luís. Era, digo eu. Hoje, governar é submeter-se a cavilosas barganhas dos partidos políticos.

UMA COISA É UMA COISA, OUTRA COISA É ...

Lembrar que Lula nasceu e se criou na pobreza, é homenagear alguém que, apesar dessas adversidades, se sobressaiu. Mas o passado de privações não é salvo-conduto para desvios de conduta. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Lula, pelo seu passado, foi merecedor de muitos votos, inclusive de pessoas à minha volta. Eu, porém, não votei nele. Não pelos motivos ora revelados, mas porque o achava arrogante e superficial. Entretanto, quando prestes a chegar à presidência da República, para pessoas que, como eu, temiam o País em mãos despreparadas, dizia: o Brasil perderá em ações administrativas, mas ganhará em moralização.
Pois foi no ponto realçado por mim onde mais me enganei. Só para lembrar, os principais alvos de Lula quando candidato, sintetizados em “nós somos diferentes”, eram: 1) os desmandos administrativos; 2) os privilégios, em especial de bancos e empreiteiras; 3) os corruptos de colarinho branco impunes. No entanto, uma vez no poder o que se viu foi o fracasso ético com reflexos econômicos a ponto de mergulhar o Brasil em crise sem precedente. O que era “diferente”, no poder mostrou-se “igual”.
Na 1ª eleição para presidente da República após a redemocratização do País, eu presidia o diretório local do PDS. O então meu partido (hoje, não tenho) lançou Maluf candidato. Não segui a orientação do partido por razão ética: Maluf era corrupto. Por isso, abri dissidência em favor de Collor. Hoje, não me arrependo da dissidência, mas da opção na dissidência. Collor e Maluf são corruptos. Lula, também (já condenado).
Admitindo, por amor à argumentação, que: 1) o Triplex do Guarujá não é do Lula; 2) o sítio de Atibaia não é do Lula; 3) as acusações da PF e do MPF contra Lula e seus filhos são falsas - ainda assim o patrimônio condena o “mais honesto”. Lula, da data em que assumiu a presidência até ser pego pela Lava-Jato, teve seu patrimônio aumentado em 27 vezes. Tem declarados R$ 11.700.000,00 - valor incompatível com seus ganhos em 15 anos. Afinal, como ex-presidente, ao contrário do que têm os ex-governadores estaduais, não tem, sequer, pensão pelo mandato presidencial.
Lula justifica seu patrimônio com ganhos auferidos com palestras. De fato, de 2011 a 2015 foram 72 a R$ 375.000,00 cada uma, totalizando R$ 27.000.000,00, pagas por Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, UTC, Andrade Gutierrez e OAS, empresas que, flagradas pela Lava-Jato, confessaram ser o caso lavagem de dinheiro.
Por outro lado, como tem sido intensamente noticiado nos últimos dias, mais de 25 mil pessoas dos três poderes recebem auxílio-moradia. Um absurdo. Entre elas, juízes da Lava-Jato. Embora legal, questiona-se sua moralidade. Os mais exaltados contra o auxílio-moradia pago a Moro e Bretas, verdade seja dita, usam a ética como pano de fundo para questionarem a Lava-Jato. Isso, todavia, não macula as decisões desses Juízes. Quase 100% das suas decisões são confirmadas em 2º grau.

Embora os argumentos a favor, acho que Moro e Bretas deveriam abrir mão do auxílio. Ninguém quer que os brilhantes juízes da Lava-Jato sejam heróis, mas, recebendo ajuda de duvidosa moralidade, passam a imagem de oportunistas. Juiz é igual à mulher do César: “não basta ser honesto, deve parecer honesto.”

A PÁTRIA DOS JURISTAS

O Brasil é a Pátria de Chuteiras, disse Nelson Rodrigues. Agora, o processo contra Lula revelou que o Brasil é, também, a Pátria dos Juristas. Somos, pois, mais de 200 milhões de hermeneutas. Com frases cheias de nada e vazias de tudo, pessoas que não conhecem a capa de um Código espezinham construções milenares do Direito com bordões como: “Lula é condenado pela ditadura de Toga”, “Eleição sem Lula é fraude”, “Defender Lula é defender a democracia”, “Só o povo pode julgar Lula”. Com a técnica da repetição de Goebbels, transformam inverdades em verdades. Vejamos:
1) “Lula é condenado pela ditadura de Toga”: Não. Lula teve respeitado o devido processo legal e exerceu ampla defesa. Condenado pelo juiz Moro, recorreu ao TRF4, sem êxito. Os desembargadores não deixaram pedra sobre pedra. Mas, para os sectários, contrariar o “mais honesto” é ditadura; 2) “Eleição sem Lula é fraude”: A eleição com Lula, sim, é fraude, pois seria candidato alguém que, como Presidente, instalou o maior esquema de corrupção da história. Logo, seriam agredidas a ética e a moral; 3) “Defender Lula é defender a democracia”: Em termos, sim. Defender Lula e todos quantos acusados, desde que respeitados os parâmetros legais e constitucionais como, à exaustão ocorreu, é defender a democracia. Lula, por sua privilegiado condição financeira, defendeu-se à saciedade; 4) “Só o povo pode julgar Lula”: É falso. Lula não está acima da lei. Pilatos deixou o mais famoso caso para o povo julgar: Jesus foi crucificado; Barrabás, absolvido.
   Sobre o julgamento, impressiona como pessoas alheias a partidos políticos e, inclusive, outrora adeptos de Lula, aplaudem os julgadores (TRF4). Eis alguns: Lya Luft (ZH 27/1/18): “... magistrados relativamente jovens, preparadíssimos ... começam a botar as coisas em seus devidos lugares ... com a simplicidade de quem de verdade sabe e sabe que está com a verdade, fizeram uma faxina moral e conceitual nas nossas cabeças. Isto é, de quem quis ou soube escutar”; Dora Kramer (Veja 31/1/18): “Desde que se iniciou a queda da máscara ética e politicamente renovadora sob a qual atuou o PT até a conquista da Presidência da República, os petistas tiveram várias oportunidades de se reinventar mediante franca autocrítica ... O partido escolheu a beligerância”; Flávio Tavares (ZH 27/01/18): “Crime maior, ainda, é passar aos militantes dos partidos a falsidade de que a Justiça “persegue” certos políticos por serem “líderes populares” ou pregar a desobediência à Justiça, como fez Lula agora”.
A condenação (TRF4) acarreta duas consequências a Lula: 1ª – afasta-o das eleições/2018, posto que se tornou ficha suja; 2ª -  autoriza seja preso. Aqui, um “porém”: Gilmar Mendes que, no STF, defendeu a prisão a partir da condenação em 2º Grau (hoje, em vigor), admite rever sua posição. Para salvar amigos, o ministro é capaz de qualquer “sacrifício”. Inclusive livrar Lula da cadeia.

Mas, desafiando a Justiça e o bom senso, Lula mantém sua candidatura a presidente. Compreende-se. Mesmo atolado em corrupção, tem votos. Não para se eleger, como prega, posto que sua rejeição é superior à sua aprovação. Mas com ele candidato presidencial, o PT terá uma referência. Sem ele, estará órfão.   

FORO PRIVILEGIADO

A palavra privilégio, mesmo com suas variáveis conotações, desemboca em vantagem, prerrogativa ou outro adjetivo que se queira conferir a um indivíduo ou grupo de indivíduos. No entanto, toda vez que alguma benesse, regalia ou algo que o valha é concedido a alguém, outro será preterido, quando não, relegado a uma classe inferior. É ínsita, pois, à ideia de benefício para uns e prejuízo para outros. Ora, o direito de furar a fila, passando do 10º lugar para 1º, transforma-se em prejuízo para nove pessoas que estavam à frente. O feriadão no serviço público, que os trabalhadores da iniciativa privada não tem, privilegia o servidor público. Sem falar da CF que, nos crimes de parlamentares, dá a palavra final à corporação, não à Justiça.
No século 5 a.C, quando foi formalizada a democracia, mesmo sendo proposta para tornar o regime com a característica de oposição a privilégios da época, para os padrões de hoje seria antidemocrática e, pois, consagradora de privilégios. Pela sua concepção original, era cidadão apenas: grego, livre, homem e maior de 35 anos. Quer dizer, excluía muito mais do que incluía. Logo, manteve privilégios. Aliás, a exclusão nascida no berço da cultura se expandiu, tanto que as mulheres, mesmo em países avançados, só tiveram direitos, como ao voto, séculos depois.
No Brasil, usando a democracia em benefício próprio, privilégios foram criados. Alguns, inclusive, escritos na Carta da República de 1988 como, por exemplo, o foro privilegiado que, com as revelações da operação Lava-Jato, todo mundo passou a conhecer e a repugnar. Hoje, são 45 mil brasileiros com esse direito, quando deveria estar limitado a poucos além dos presidentes dos três poderes.  É o que o senador Álvaro Dias (Pode/PR), autor da PEC que objetiva reduzir drasticamente o número desses cidadãos de 1ª classe, denominou “instituto da impunidade”.
Por que instituto da impunidade? Porque, amparada em norma constitucional, há uma casta que se albergou no foro privilegiado para se beneficiar quando implicada em crimes, e isso deságua na impunidade. Muitos homens públicos têm essa benesse, o que lhes dá o direito, na hipótese de apuração de crimes, que o seja pelo STF. Então, o Pretório Excelso seria condescendente com criminosos?
Não chego a tanto. Prefiro debitar à Corte a falta de estrutura e de vocação para feitos penais, pesando, contra ela, sim, o fato de os ministros dos tribunais superiores serem nomeados por critério político, ainda que a CF exija notório saber. Os números não mentem: segundo a FGV, entre 2011 e 2016 menos de 1% das ações contra privilegiados levaram à condenação e 68% não chegaram à conclusão.
E ainda tem-se a prescrição. É outra tábua de salvação de corruptos. Com bons advogados e com a letargia do STF, políticos apostam na prescrição (perda do direito do Estado punir). E, uma vez alcançada, na maior cara de pau, se proclamam absolvidos, quando são meros beneficiários de leis amigas e juízes tardinheiros (Ruy). 

Enquanto vigir foro privilegiado, existirão brasileiros de 1ª e 2ª classes. Por isso, Renan Calheiros (PMDB/1ª classe), que responde a 17 processos perante o STF, alguns faz mais de 10 anos, continua dando as cartas e jogando de mão.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

O JULGAMENTO PELO TRF4 (III)

      O tiro saiu pela culatra. Lula está condenado também em 2ª instância. Estava na hora. A fúria do PT contra o juiz Moro é própria de quem não tem razão. Do Mensalão do PT, escândalo que nasceu e se multiplicou sob o seu nariz, Lula saiu ileso. Na época, se disse traído sem apontar traidor. Agora, Lula é ficha suja, mas continua candidato. Em verdade, sua candidatura nasceu com o desejo de ter foro privilegiado a fim de safar-se da prisão. O mesmo buscam seus comparsas Gleisi, Renan e Aécio - senadores candidatos à Câmara, para a qual são necessários menos votos.
      Aqui, comentei algumas teses do recurso de Lula contra a sentença Moro. Mas nem todas. É que, para tanta asneira, seria necessário muito mais espaço. Hoje, trago mais uma pérola do Lula, com a qual ele pretendeu demonstrar que o TRF4 também o perseguia. Relaciona-se a Carlos E. Thompson Flores Lenz, Pres. da Corte. O desembargador estaria contaminado pelo vírus do mal por ser bisneto do Gen. Thompson Flores, que atacou Canudos quando também foi morto Antº. Conselheiro.
      Assim, mesmo depois de 112 anos daquele sangrento episódio, para Lula o magistrado “é da mesma linhagem do bisavô” e o enxergaria “como cidadão de Canudos.” Logo, pelo viés vitimológico, para Lula nenhum descendente do General se livrará do DNA da virulência. Também o princípio da pena não transcender a pessoa condenada, não se aplica à descendência Thompson Flores.
      Lula lembra a Fábula “O Lobo e o Cordeiro”, do poeta Jean de La Fontaine (1621-95), a qual relata que um cordeiro estava bebendo água num riacho. Ao levantar a cabeça, avistou um lobo, também bebendo água, o qual indagou: “Como tu ousas sujar a água que estou bebendo?” O cordeiro, já de pernas frouxas, respondeu: “mas Lobo, o senhor está acima do lugar em que me encontro, e a água corre de cima para baixo. Portanto, como poderia eu sujar sua água?” Mesmo sem argumento lógico, o lobo revidou: “No ano passado, o seu pai sujou minha água”.
      Justiça seja feita ao lobo: ao voltar no tempo, retrocedeu apenas até o pai do cordeiro prestes a ser devorado (uma geração). Já Lula recuou 4 gerações para agredir Thompson Flores. Lula, o mesmo que sabe tudo (quando lhe convém) e, ao mesmo tempo, não sabe nada (quando também lhe convém), flechou o bisavô para atingir o bisneto (o Presidente do TRF4). Para Lula, o vírus genético dos Thompson Flores se transmite de geração em geração (já são 4), sem mutação.
Moral da fábula: A razão do mais forte - ainda que ao arrepio da lógica e da verdade - é sempre a melhor. Nada a ver com Lula, é claro. A referência é mero exercício de ficção, pois Lula é de Pernambuco, Canudos fica na Bahia e La Fontaine era francês.
Confirmada a condenação em 2º grau (3x0) com pena maior (9 anos e 6 meses p/ 12 anos e 1 mês), o populista Lula, para uma plateia que só o aplaude, se comparou a Tiradentes e Mandela. Não, Lula!   Os mártires, respectivamente, do Brasil e da África do Sul não “ganharam” Triplex. Aliás, nem um puxadinho na periferia de Guarujá/SP.
      No caso Triplex, a grande lição deixada pela Justiça: ninguém está acima da lei. Mas como Lula não vai se calar, com Marco Túlio Cícero (advogado, político e filósofo,106-43 a.C.) digo: “Até quando, ó Catilina, hás de abusar da nossa paciência.”

TODOS CONTRA A LAVA-JATO

      O título deste comentário é apocalíptico. Logo, espanta as pessoas que trabalham, pagam impostos e cumprem seus deveres. Enfim, atemoriza aqueles que, com espírito desarmado, longe de paixões, não prestam culto à personalidade. Pelo contrário, querem o Brasil passado a limpo. Porém, a meu sentir, políticos do Executivo e Legislativo, com raras exceções, se pudessem liquidariam a Operação Lava-Jato a despeito das juras de amor que lhe fazem, do tipo: “a Lava-Jato é um marco histórico”; “a Lava-Jato é um divisor de águas entre antes e depois dela”; “a Lava-Jato é um patrimônio ético do Brasil”. A bem da verdade, a Lava-Jato é o calcanhar de Aquiles (não o meu) dos políticos brasileiros. A exceção existe, sim, mas apenas para confirma a regra. São contra a Operação os ex-presidentes Sarney, Collor, Lula e Dilma; o presidente Temer; os presidentes dos partidos Gleisi (PT), Jucá (PMDB), Aécio (PSDB), Lupi (PDT), Agripino (Dem), Ciro (PP) etc; ex-ministros de Lula, Dilma e Temer; vários ministros do atual presidente.
      São pequenos atos, às vezes imperceptíveis, às vezes nem tanto, que confirmam a assertiva. Por exemplo, as nomeações da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e do diretor-geral da PF, Fernando Segovia, ambos pelo PMDB. Um pouco antes, para a vaga no STF com a morte de Teori Zavascki, a nomeação de Alexandre de Morais, de notório saber jurídico, sim, porém, pela bancada pelo PSDB. Aliás, o critério de nomeação de ministros dos tribunais superiores é outra chaga que compromete a imparcialidade do Judiciário. Na mesma toada, no Congresso tramitam projetos claramente de retaliação: a) revisão da Lei de Abuso de Autoridade, em verdade, mordaça a delegados de polícia, a procuradores de justiça e a juízes; b) alteração da Lei de Colaboração Premiada proibindo delações por pessoas presas, sendo certo que, sem as prisões, bandido não confessa por apostar na impunidade; c) alteração da Lei da Ficha Limpa tornando-a inaplicável aos crimes de corrupção anteriores ao mandatos dos atuais deputados e senadores.
      Enfim, os fatos antes relatados - sem esgotá-los, é claro - se destinam a abafar a Lava-Jato. É que, no jogo político, nem tudo é o que parece ser. A dissimulação é uma constante. A propósito, L.F. Veríssimo, notável escritor mas, também, sempre pronto a conceder salvo conduto ao PT, assegurou, para perplexidade de quem defende a ética e a igualdade de todos perante a lei, que a Lava-Jato se prestou, até aqui, para culpar um homem inocente. Não declinou o nome. Nem precisava. Referia-se a Lula. Por traz da máscara de um belo texto, o escritor destilou seu ódio à República de Curitiba.
No Brasil, verdade seja dita: as elites política e empresarial condenam a Lava-Jato. Há, ainda, um 2º grupo a combatê-la, às vezes sem perceber: a dos inocentes úteis. Por fim, tem-se os fanáticos: aqueles que acusam Temer de corrupção, mas inocentam Lula e Dilma, e vice-versa. Por isso, a Lava-Jato, que revelou a maior organização criminosa do Brasil de todos os tempos, corre o risco de morrer na praia, tal qual a Mãos Limpas da Itália. Em causa própria, às vezes de forma dissimulada, inimigos se juntaram pela mesma causa: sepultar a Operação.

O JULGAMENTO PELO TRF4 (II)

      Com a aproximação do julgamento do recurso de Lula contra sua condenação pelo juiz Sérgio Moro, declarações de beligerância, incitação à violência e afronta à Justiça, colocando Lula acima do bem e do mal, têm ocorrido. Gleisi Hoffmann, presidente do PT, em acinte ao estado democrático de direito, afirmou: “para prender o Lula, vai ter de prender muita gente, vai ter de matar gente.” Que despautério!
      Sobre a condenação em apreço, para o PT, Lula seria perseguido por ter governado para os pobres. Que falácia! Reavivando a memória, Lula governou de mãos dadas com os bancos, que nunca ganharam tanto quanto no período, e com as empreiteiras, com as quais estabeleceu promíscua relação como revelou a Lava-Jato. No entanto, a farsa vem tendo ressonância na militância do partido. É a lição do nazista J. Goebbels, ministro de A. Hitler: a mentira reiterada se transforma em verdade.

       Em bom português, Moro objetivaria liquidar Lula, o que é injusto. Moro, além de juiz imparcial é expert em crimes de lavagem de dinheiro. Outra falácia é a condenação de Lula sem prova. Isso, para os operadores de Direito, tem nome: jus esperniandi (direito a espernear). Aqui, uma coincidência: a tese de Lula (ausência de prova) é a mesma invocada pelos seus parceiros (farinha do mesmo saco) de malfeitos M. Temer, S. Cabral, Garotinho, Aécio, E. Cunha, Gleisi, Gedel, J. Dirceu, Vaccari etc.

      A propósito de insuficiência de prova, lembro o assassinato, há 30 anos, do Dep. J. A. Daudt. Foi indiciado como autor do homicídio o também Dep. A. Dexheimer. Com foro privilegiado, coube o julgamento ao Pleno/TJ-RS. O Relator, Des. Décio Erpen, apontou Dexheimer autor do crime, mas a maioria dos desembargadores optou pela insuficiência de prova. Dexheimer absolvido, a sociedade cobrou o prosseguimento da investigação, ao que o Procurador de Justiça - parece-me que Paulo Olímpio - disse: “O Dep. Dexheimer foi identificado como autor da morte do Dep. Daudt, primeiro pela polícia, depois pelo Des. Erpen. Não vou perder tempo em apurar o que apurado foi.”

Lula, em tese, poderá repetir Dexheimer: ser absolvido por insuficiência de prova, mesmo com indícios provando o contrário. Ocorre que, na valoração da prova, sobre o mesmo fato, juízes podem divergir. Mas isso não significa proteção ou perseguição. É a convicção de cada um, própria da constitucional independência de cada magistrado.

      Ainda sobre a sentença de Moro, ouvi asneiras elevadas à condição de teses, como: 1) o Triplex não está no nome do Lula. Logo, não é dele; 2) não existe comprovante de Lula ter recebido vantagem ilícita. Logo, é inocente. Ora, corrupto não passa recibo de propina nem escritura para si imóvel adquirido com recursos ilícitos. Pelo contrário, dissimular e esconder a origem ilícita de dinheiro ou patrimônio é a marca nesse delito. O remédio está no art. 239 do CPP: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.” Em síntese, indícios são provas, sim.
Quando frágeis, os indícios levam à improcedência da denúncia por insuficiência de prova. Quando há verossimilhança entre a materialidade e a autoria, a condenação se impõe. Foi o que encontrou o Dr. Moro no caso já julgado, objeto da apelação do Lula.

FESTIVAIS NATIVISTAS

       Depois de três anos inerte, a Califórnia da Canção Nativa voltou, e bem. Sua 40ª edição, em Uruguaiana, deu-se no Teatro Municipal Rosalina Pandolfo, de 8 a 10 deste mês. Como era de se esperar, foi festejado o retorno do festival responsável pela disseminação de dezenas de festivais nativistas pelo RS, a partir dos anos de 1970. Registro, ainda, que nas quatro décadas seguintes de intensa criação musical, não faltaram problemas. Parafraseando seu Agenor lá do meu Lajeado Cerne, em Santo Ângelo, depois da “febre arta” uns festivais sumiram e outros agonizam. Felizmente, alguns estão ressurgindo. Neste grupo estão Califórnia e Musicanto.
Em Uruguaiana, vi Sílvio Genro - compositor com ligações culturais (Musicanto) e afetivas (Os Costeiros) com Santa Rosa, com a canção “Um Homem, um Cavalo e um Cachorro” - ganhar a Calhandra de Ouro. No evento, Sílvio chamou a atenção, por dois motivos: 1) pela canção que compôs; e 2) por subir ao palco do festival de terno, ao invés da bombacha; de sapato, ao invés de bota; de gravata, ao invés de lenço ao pescoço - em festival em que a pilcha gaúcha é o traje por excelência. Mas não foi metamorfose, não; foi a forma original, democrática, dele protestar.
Explico: Sílvio compôs sua canção endereçada para a Linha Campeira, mas os jurados a colocaram na Linha de Manifestação Rio-Grandense. Aliás, é sinuca de bico para os jurados de festivais a divisão em “linhas” (Regulamento). Na Califórnia, são: 1) Campeira; 2) Manifestação Rio-Grandense; 3) Livre. É que, às vezes, uma tênue linha separa as linhas, quando não, as linhas se cruzam. Enfim, uma cabeça, que não a do autor, define o destino da canção. No Musicanto, eu sempre resisti à ideia da separação em linhas. Vozes Rurais (regional) e No Sangue da Terra Nada Guarani (universal) atestam que - num mesmo festival, sem linhas - composições com temáticas diferentes não se excluem; pelo contrário, se completam, se complementam.
        O futuro dos festivais continua a preocupar. Para mim é incerto. Saltou aos olhos, em Uruguaiana, um problema que não é “privilégio” da Califórnia; não, pelo contrário, é comum aos festivais nativistas: a ausência de jovens. No Teatro Rosalina Pandolfo, o número de bengalas superou o número de pessoas dos 18 aos 25 anos. Isso denota a falta de renovação, a acender a luz amarela de tantos quantos cultuam o nativismo. Hoje, apenas o sertanejo - que de sertanejo tem pouco - tem público cativo.
           A Califórnia creio estar pensando seu futuro. O Musicanto aposta no Musicanto Vai à Escola, através do qual difunde as canções do próprio festival entre as escolas da cidade. Muito interessante! No entanto, não tem se mostrado suficiente à motivação de estudantes. Talvez falte espaço a esse público no palco do festival. Enfim, Uruguaiana, Santa Rosa e outras promotoras de festivais precisam (re)inventar uma fórmula capaz de evitar que, com o desaparecimento dos idealizadores dos festivais nativistas, desapareçam, também, as ideias que colocaram o RS no mapa do Brasil.
Califórnia e Musicanto são Patrimônio Cultural do RS. É, pois, o reconhecimento ao legado cultural desses festivais nativistas até aqui. Mas, e o futuro? Os decretos, sem medidas que os implementem, serão apenas decretos. A incerteza ronda os festivais.