sábado, 18 de maio de 2013

RESGATE

 É comum se ouvir expressões do tipo “estamos fazendo o resgate disso ou daquilo”, ou “esse resgate faz justiça a aquilo”, ou, ainda, “esse é um resgate histórico”. Essas frases de efeito, com sentido de vitória sobre um passado que se imaginava sepultado, objetivam ressuscitar coisas antigas, hábitos, tradições, inventos, práticas úteis e até inúteis, e estão em todas as áreas: da cultura à economia; da gastronomia à saúde; da sustentabilidade à produção em escala; da preservação do meio ambiente à sua destruição, esta, até bem pouco tempo, sobrepondo-se àquela. Todos, enfim, têm os seus res gates. Alguns, inclusive, os têm inconscientemente. Enfim, o que estava morto apareceu mais vivo do que nunca. Pois eu também tenho o meu resgate. Aliás, tenho vários. Mas vou ficar com apenas um: o ovo de galinha.
É isso mesmo. Aquele alimento do tempo em que se esperava a galinha anunciar, através do canto, que mais um ovo estava à disposição e em que lugar estava seu ninho. Também era um tempo em que cada galinha produzia apenas um ovo por dia. Explico: hoje, com a alimentação que é fornecida a essas aves, com a iluminação contínua dos aviários -, o homem mudou o metabolismo das galinhas. Com isso, essas poedeiras, na média, produzem mais de um ovo por dia. Pouca coisa mais, é verdade.
Não preciso dizer que, como todo guloso, gosto muito de ovo, de preferência com aquela gema amarelenta carregada. Frito, cozido ou omelete, tanto faz. De qualquer jeito, sempre é bom. Melhor ainda se coberto por pimenta preta, moída. Também sem preferência por qual refeição: pela manhã, ao meio-dia e à noite. Só que, durante anos, por recomendação médica, fui proibido de consumi-lo. Eu e milhares de pessoas.
Execrado, o ovo foi, por décadas, o vilão da saúde humana. O paciente que, no consultório médico, apresentasse exames laboratoriais com índices elevados de colesterol (LDL) ou de diabetes, recebia a seguinte sentença: corte em definitivo o ovo. Convenhamos, era um castigo. Privar-se do ovo, de preferência frito na banha, equivalia a castigo.
Pois recente descoberta científica acaba de resgatar o ovo. Ele está absolvido. Ainda bem. É claro que, durante os anos em que me privaram desse alimento, incidi no pecado da gula, pois, como sabem os cristãos, do pecado só se livra quem dele se abstém tanto na prática quanto em pensamento. Em suma, o arrependimento tem de ser material e mental, com o firme desejo de não reincidir No caso, não ultrapassei a primeira fase.
Pois esse mesmo alimento, fruto de recentes estudos científicos, foi absolvido. Deixou de ser um dos vilões da saúde humana para ser um aliado seu. Pesquisas iniciadas nos anos 90 desmistificaram o preconceito ou estudos anteriores. Com moderação no consumo do produto, é claro. Para as pessoas com histórico de doenças cardíacas, por exemplo, a recomendação é de até três ovos por semana. Já o seu preparo deve obedecer a seguinte ordem: cozido, pochê, omelete. Frito, nem pensar. Pelo menos – quem duvida? - até nova pesquisa.
Para justificar o comentário relativo ao resgate ao ovo, mas, ao mesmo tempo, sem incorrer no delito do exercício ilegal da profissão, invoco as descobertas feitas por nutricionistas da Universidade Estadual do Kansas, nos Estados Unidos. Descobriram eles que o lipídio encontrado em ovos, comprovadamente diminui a absorção de colesterol no organismo, que se dá por causa da substância chamada fosfolipídio que impede a chegada de colesterol ao intestino, além de bloquear o seu acúmulo na corrente sanguínea.
O ovo carregou a fama (má) de inimigo da saúde. Hoje, depois do leite – obviamente o leite não “batizado” – , é considerado o alimento mais completo.
Ah, algumas recomendações: não utilizar ovo rachado; lavar o ovo com água e sabão antes de usá-lo; cozinhar o ovo por sete minutos de fervura; armazenar os ovos na geladeira em embalagem plástica com tampa.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

MARIORIDADE PENAL



                A maioridade penal está na ordem do dia. A intensidade desse debate tem aumentado à medida em que também aumenta a criminalidade patrocinada por jovens com menos de 18 anos de idade, os quais - e nisso a indignação -, mesmo cometendo crimes hediondos, por força do Estatuto do Adolescente e da Criança (ECA) ficam no máximo três anos sob a custódia do Estado. O paradoxo da maioridade penal está em que o jovem com 16 anos pode votar de vereador a presidente da República; trabalhar com carteira assinada; com autorização dos pais, casar e ser emancipado; ser empresário.
           No entanto, não pode ser responsabilizado criminalmente. Não teria, pela leitura das normas insculpidas na Constituição Federal, no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, capacidade plena para distinguir o certo do errado. Só que, quando apreendido, o menor infrator tem pronta resposta: “sou di menor”. E não raro, zomba da vítima, ante a certeza da impunidade. O cla mor é por mudança da regra. Segundo pesquisa DataFolha, 93% da população apoia a redução da maioridade penal para 16 anos. Mas, no plano constitucional, há um problema a ser superado. 
            O nó górdio está em se saber se a CF pode ser alterada por Emenda Constitucional (poder derivado) ou somente através de Assembleia Constituinte (poder originário). Sobre a controvérsia, os juristas se dividem: para uns, é possível a mudança através de PEC; para outros, é impossível por se tratar de cláusula pétrea – arts. 228 e 60, § 4º, III, da CF/88. Não se ignora que há um grupo - inexpressivo, é verdade - que defende a mantença do limite atual por um viés ideológico e passional. Ora, em 1940, quando editado o CP, tinha-se que o jovem com idade inferior a 18 anos era incapaz porque não tinha condições de fazer as suas próprias escolhas, não tinha capacidade de discernir entre o certo e o errado. Hoje, porém, tudo mudou. Esse conceito, hoje, é sinônimo d e impunidade. Mais que isso, de incentivo ao cometimento de atentados bárbaros contra vidas indefesas. Sobre o tema, existem várias propostas no Congresso Nacional. De todas, a principal não se daria no seio da Constituição e do CP; se daria no ECA mediante a ampliação das penalidades juvenis. Seria uma saída emergencial. Assim, a mudança da CF e, por consequência, do CP, ficaria para um segundo momento. Seria apenas maior rigor punitivo com o aumento do prazo de internação do menor infrator. Ora, isso é o mínimo que o clamor popular exige enquanto as discussões acadêmicas não cessarem. Por outro lado, as medidas previstas no ECA são socioeducativas. Daí a internação possuir caráter excepcional. Logo, somente aplicadas em observância ao espírito pedagógico do citado Diploma legal, o qual busca a reintegração do adolescente infrator, antes da punição. No plano teórico, tudo muito bonito. Só que o ECA não leva em conta que os jovens com 16 anos têm total consciência dos delitos que cometem. A verdade é que matam porque sabem que nada ou quase nada lhes acontecerá. 
         Não se ignora que a estrutura prisional que o Estado oferece aos maiores infratores ou de internação aos menores, é arcaica. Raramente alguém sai de lá melhor do que entrou. Mas isso não justifica sejam todos, infratores menores ou maiores, devolvidos à rua. A segregação é necessária para que as pessoas de bem não tenham que se trancafiar dentro de suas casas, enquanto facínoras passeiam livremente. Advogo, pois, maioridade penal aos 16 anos, já. Todavia, se isso não puder ser feito logo pela dificuldade de se alterar a CF, que seja ampliado o rigor do ECA, haja vista ser inadmissível que um jovem com 17 anos, 11 meses e 29 dias, autor de latrocínio, por exemplo (roubo seguido de morte), tenha como punição máxima três anos de internação. .

sexta-feira, 3 de maio de 2013

ATAQUES À DEMOCRACIA

A Argentina, da presidente Cristina Kirchner, estabeleceu censura prévia à imprensa do país. Com isso, os veículos de comunicação que não rezam pela cartilha oficial, sofrem retaliações. Rezar pela cartilha oficial significa veicular números mentirosos sobre a situação econômica, política e social do país. Não satisfeita com isso, na última semana aplicou mais um cruzado na autonomia do Poder Judiciário mediante a aprovação, pelo Congresso Nacional, de proposta traduzida em três medidas: a) limitação na concessão de liminares nas matérias que envolvam decisões do Poder Executivo; b) criação de três novos tribunais de apelação; c) ampliação de 13 para 19 os membros do Conselho de Magistratura, o qual, ademais, até então, privativo de juízes e advogados, deixará de ser, e 12 dos seus membros serão eleitos doravante. Em verdade, a atual intervenção é uma resposta ao Judiciário que ousou restabelecer a liberdade de imprensa ao julgar procedente ação proposta pelo jornal Clarin, o alvo preferido das autoridades argentinas.
No Brasil não é diferente. Pelo menos na intenção oficial.  O governo federal quer um marco regulatório para a mídia. Na verdade, quer amordaçar a imprensa. Mas não só. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que tem entre seus “honoráveis” membros José Genuíno, João Paulo Cunha (PT) e Paulo Maluf (PP), aprovou Proposta de Emenda à Constituição submetendo decisões do Supremo Tribunal Federal ao crivo do Congresso Nacional. Em suma, essa PEC (nº 33), se for aprovada, eliminará a autonomia do Poder Judiciário, em afronta ao art. 60, § 4º, III e IV, da CF.
No caso brasileiro, tal qual na Argentina, não dá para disfarçar: trata-se de retaliação. O Congresso Nacional - melhor dizendo, a base aliada do atual governo - não engole a condenação de figuras proeminentes ligadas ao ex-presidente Lula, a começar por José Dirceu. Achando-se acima do bem e do mal, não contavam com a bravura de Joaquim Barbosa e outros. Pelo contrário, contavam com a subserviência de Ricardo Lewandowki e Dias Tofolli.
Não de hoje, sou um crítico do critério de nomeação de ministros para os tribunais superiores; como todos sabem, pela presidência da República. Com isso, o notório saber jurídico, exigência constitucional para compor a Corte constitucional do Brasil, foi substituído por QI (Quem Indica). Ora, se o notório saber fosse observado, Dias Tofolli não estaria na Corte. Sua maior credencial foi ter sido advogado do Lula. Quando tentou ingressar no Judiciário por concurso, foi reprovado. Outrossim, é da natureza humana retribuir o favor recebido. Pior é quando o favor vira moeda de troca. Então, salvo melhor juízo, só se poderá falar em independência do Judiciário em relação aos demais poderes da República quando os tribunais forem compostos unicamente por juízes de carreira. Nada de promotores de justiça nem de advogados compondo-os pelas cotas do quinto constitucional.
A situação de Luiz Fux é emblemática. O ministro é cobrado por José Dirceu por tê-lo condenado no processo do mensalão, porquanto, para chegar ao STF, teria se comprometido com a absolvição do ex-chefe da Casa Civil. Se eles trocaram figurinhas, não sei. Mas o encontro entre ambos ocorreu. Todavia, não se pode ignorar que, pelas regras em vigor, é inevitável o beija-mão para ascender ao Pretório Excelso.
Diante da reação popular, acredito que a PEC 33 será sepultada. Mas que ninguém se engane. A proposta tem por objetivo instituir a República Bolivariana já implantada em Venezuela, Bolívia e Argentina. Já o marco regulatório atingiria a liberdade de imprensa. São, pois, dois ataques à democracia. Sobre eles é imprescindível pensar porque, se a gente não pensar, alguém irá pensar pela gente.