A Comissão da Verdade foi criada para “examinar e esclarecer
graves violações de direitos humanos” ocorridos entre 1946 e 1985. Seus
membros, com o salário de R$ 11.179,36 por mês, foram escolhidos ao alvitre da
presidente Dilma Rousseff. Para a tarefa de assessoramento, foram criados pelo
governo mais 14 cargos, também de livre nomeação.
Uma vez instalada, a primeira decisão da Comissão foi reduzir
o tempo de apuração para, somente, após 1964, data que marca a revolução
civil-militar, para uns, o golpe militar, para outros; a segunda foi limitar o
foco para “os atos perpetrados por agentes públicos e servidores do Estado”. Em
consequência, eventuais crimes ocorridos durante a ditadura Vargas, bem como
por aqueles que, a pretexto de combater o governo militar, mataram,
sequestraram, assaltaram etc, foram sumariamente inocentados.
Outro foco da Comissão foi a Lei da Anistia, o que denota
falta de conhecimento do contexto em que foi editada. Ora, o projeto proposto
pelo regime militar era restrito aos seus. Portanto, os adversários do regime
da época não seriam alcançados. A inclusão dos que combateram o governo
militar, e nisso, muitos atentaram contra os direitos humanos, só ocorreu
porque a oposição negociou com o governo federal, nascendo a anistia ampla,
geral e irrestrita, traduzida no perdão judicial, quer àqueles que serviram à
ditadura militar, quer àqueles que pretenderam substituí-la pela ditadura de
Cuba. Em suma, propunham a troca de seis por meia dúzia.
Agora, ao entregar seu relatório apontando responsáveis e
propondo a revisão da Lei de Anistia, a Comissão deu razão ao Bispo Dom Dadeus
Grings que, em 2013, denominou a “comissão da verdade” de “comissão da
vingança”. Assim, ao ignorar, por exemplo, a dor das famílias das 121 vítimas
daqueles que queriam acabar com a ditadura militar para, em seu lugar,
implantar outra, porém, comunista, agiu com parcialidade, como é próprio de
quem atua com motivação ideológica. Já, ao propor a alteração da Lei de
Anistia, e com isso, eliminar o perdão, propõe a Lei de Talião.
Em ocasiões como esta é que se revelam os estadistas. No
quesito, o Brasil está órfão. Já a África do Sul, após o Apartheid, demonstrou
o contrário. Nelson Mandela, depois de 27 anos preso por defender a igualdade
racial, ascendeu à presidência do país. No poder, criou a comissão da
“Verdade”, só que, ao contrário daqui, indissociada da “Reconciliação”. Na
prática, Mandela já havia demonstrado toda sua grandeza quando, ao assumir o
poder, ao invés de se vingar das injustiças que sofrera, integrou brancos ao
seu governo.
No parágrafo acima, falei de discurso e prática, às vezes de
mãos dadas, às vezes separados por um abismo. Falei, também, em estadista. Está
claro que os dois países, cada qual com seu viés ideológico, adotaram posturas
diferentes. Na África do Sul, a palavra chave foi a reconciliação. No Brasil, é
a intolerância.
Assim como
não existe meia gravidez, não existe meia verdade. É elementar que havendo dois
lados, como é o caso submetido à Comissão, ambos deveriam ser investigados com
igual profundidade. É elementar, ainda, que a ela cabia, apuradas as duas
versões, torná-las públicas sem tomar partido. No entanto, escolher uma, a seu
talante, é albergar meia verdade.
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